
A aquisição de um bem imóvel representa, para a maioria dos cidadãos, um dos investimentos mais significativos de suas vidas, exigindo, portanto, máxima segurança jurídica. Não é de hoje que sempre salientamos que toda transação de imóveis envolve riscos: a diferença é ter ciência deles e estar muito bem assessorado, sabendo o que fazer diante deles. É comum que surjam ofertas de imóveis cuja comprovação de titularidade se dá por meio de uma "Escritura Declaratória de Posse". Não é porque estamos falando de uma Escritura que ela tem o mesmo peso jurídico que uma Escritura de Compra e Venda, principalmente uma Escritura REGISTRADA: o referido documento, embora dotado de certa formalidade por ser lavrado em Tabelionato de Notas, não se confunde com o título de propriedade e, por si só, não transfere o domínio do bem. A Escritura Declaratória de Posse constitui meramente uma declaração unilateral do possuidor, lavrada em Cartório de Notas, onde o mesmo declara publicamente que exerce a posse sobre determinado imóvel por certo lapso temporal, de forma mansa, pacífica e com "animus domini", ou seja, com a intenção de ser o dono. Ainda assim ela sozinha não serve para Usucapião e nem confirma propriedade, como ressalva com louvor o artigo 384 do Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro:
"Art. 384. Nas escrituras públicas DECLARATÓRIAS DE POSSE e de cessão de direitos possessórios, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que o ato NÃO TEM VALOR COMO CONFIRMAÇÃO OU ESTABELECIMENTO DE PROPRIEDADE, servindo, apenas à instrução de ação própria, podendo o tabelião, ao seu prudente arbítrio, exigir a presença de testemunhas ou outros dados objetivos da posse".
É importante, para a correta análise da situação, distinguir os institutos da posse e da propriedade: a PROPRIEDADE é o direito real por excelência, previsto no artigo 1.228 do Código Reale, que confere ao titular as faculdades de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Sua comprovação inequívoca se dá pelo REGISTRO do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (RGI) competente, como assevera o artigo 1.245 do CCB. A POSSE, por sua vez, é a exteriorização de fato de um dos poderes inerentes à propriedade, conforme a teoria objetiva de Ihering, adotada pelo nosso ordenamento. O "vendedor" que não possui PROPRIEDADE não pode a alienar aquilo que não tem (a propriedade), mas sim a ceder onerosamente os seus direitos possessórios sobre o imóvel - que podem, a depender do caso e principalmente das demais provas, permitir a aquisição através da USUCAPIÃO.
O peso jurídico da Escritura Declaratória de Posse reside em seu valor probatório. Isoladamente ela não conduz à Usucapião porém ela serve como um importante indício para a contagem do prazo necessário à aquisição da propriedade por meio da usucapião. Ao formalizar a Cessão dos Direitos Possessórios por meio de um instrumento público, o adquirente (cessionário) pode, para fins de usucapião, somar o tempo de posse do seu antecessor (cedente) ao seu próprio, desde que ambas as posses sejam contínuas e pacíficas, conforme autoriza o artigo 1.243 do Código Civil ("accessio possessionis"). Desta forma, o documento não garante a propriedade, mas pavimenta o caminho para sua futura regularização. Cabe destacar que a Declaração de Posse ou mesmo a Cessão também podem ser formalizadas por Instrumento Particular, ainda que nossa orientação seja sempre pela formalização via instrumento público.
A adoção de cautelas rigorosas é medida de prudência indispensável em se tratando de COMPRA DE IMÓVEIS. Não seria diferente quando se tratar de DIREITOS POSSESSÓRIOS, onde a cautela deve ser ainda maior: antes de celebrar o contrato, o comprador deve realizar uma auditoria jurídica ("due diligence") completa. Isso inclui: i) a obtenção da certidão de matrícula do imóvel no Registro de Imóveis para identificar o proprietário tabular (registral) e a existência de eventuais ônus, gravames ou penhoras - por mais que o "alienante" seja apenas posseiro; ii) a busca por ações possessórias ou petitórias em nome do vendedor e do proprietário registral; iii) a verificação da regularidade fiscal do imóvel (certidões negativas de débitos de IPTU); iv) a realização de uma vistoria "in loco", com entrevistas a vizinhos, para confirmar a natureza mansa, pacífica e ininterrupta da posse exercida pelo vendedor e, v) análise detalhada de todo o album probatório que demonstre a posse alegada e - já pensando no futuro - as chances de êxito de uma ação de Usucapião para regularizar a aquisição da propriedade pela conversão da posse e demonstração de requisitos.
A regularização definitiva do imóvel, convertendo a posse em propriedade plena, ocorrerá por meio da AÇÃO DE USUCAPIÃO ou, a depender do caso, pelo PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL instituído pelo CPC/2015. A usucapião, como sabemos, é o modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada no tempo, cumpridos os requisitos legais específicos para cada modalidade (extraordinária, ordinária, especial urbana, etc.). O adquirente, munido do contrato de Cessão de Direitos Possessórios e da prova da posse contínua e qualificada (sua e de seu antecessor), poderá pleitear em juízo ou perante o registrador a declaração de domínio, que resultará na abertura de uma nova matrícula ou no registro em seu nome na matrícula existente.
Conclui-se, portanto, que a compra de um imóvel com base exclusiva na Escritura Declaratória de Posse é uma operação de risco elevado, mas juridicamente possível e, por vezes, a única viável em certas realidades fundiárias. O sucesso e a segurança da transação não residem no documento em si, mas na qualidade da posse que ele representa e na diligência do adquirente. É fundamental considerar não apenas a Escritura de Posse em si mas toda a coleção de provas existentes. A assessoria de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário é não apenas recomendável, mas essencial. Este profissional será capaz de analisar a cadeia possessória, realizar a auditoria de riscos, orientar sobre a mais indicada modalidade de usucapião para o caso e, finalmente, conduzir o procedimento de regularização para que o comprador possa, ao fim, obter a tão almejada propriedade plena e irrestrita do bem.
