
PRIMEIRO passo para a regularização de imóveis é a pesquisa sobre sua origem e situação jurídica perante o Cartório de Imóveis. O início dessa jornada se dá com a solicitação da Certidão da Matrícula do Imóvel junto ao RGI cuja competência registral abarca os atos daquele imóvel conforme sua situação geográfica, nos termos do art. 169 da Lei de Registros Públicos. É sempre oportuno recordar que mesmo que não haja matrícula (e nesse caso uma Certidão de "Nada Consta" deverá ser fornecida pela Serventia) ainda assim a regularização poderá ser alcançada e muito provavelmente para isso o remédio já tem nome: USUCAPIÃO - que pode ser "administrado" pela via judicial ou pela via extrajudicial. Se localizado for o imóvel, então o Cartório por certo fornecerá uma Certidão contendo as informações da situação jurídica do imóvel, inclusive a existência de eventuais ônus reais, como apregoa o §9º incluído pela Lei 14.382/2022 no art. 19 da LRP/1975:
"Art. 19. A certidão será lavrada em INTEIRO TEOR, em resumo, ou em relatório, conforme quesitos, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias.
(...)
§9º. A certidão da situação jurídica atualizada do imóvel compreende as informações vigentes de sua descrição, número de contribuinte, proprietário, direitos, ÔNUS E RESTRIÇÕES, judiciais e administrativas, incidentes sobre o imóvel e o respectivo titular, além das demais informações necessárias à comprovação da propriedade e à transmissão e à constituição de outros direitos reais".
A análise da Certidão da Matrícula é ponto indispensável que deve anteceder a propositura da regularização do imóvel, especialmente se a medida para isso for através da USUCAPIÃO, seja ela judicial, seja ela extrajudicial. Dentre os diversos gravames que podem rechear uma matrícula imobiliária temos o gravame de HIPOTECA. Será que essa ilustre figura pode frustrar os desejos do interessado em regularizar o imóvel em seu nome, uma vez preenchidos os já conhecidos requisitos legais da POSSE qualificada exercida pelo TEMPO exigido em lei sobre a COISA hábil e suscetível aos efeitos da prescrição aquisitiva?
A resposta é negativa para o impedimento e favorável para a possibilidade da Usucapião, ainda que gravame de hipoteca possa existir sobre o bem e para isso se faz necessário desde já entender o que é a hipoteca. A hipoteca é um direito real de garantia que recai sobre o imóvel, assegurando ao credor o pagamento de uma dívida, sendo sua base legal residente no art. 1.473 do Código Civil. Considerando que a usucapião mira a aquisição da propriedade plena e a hipoteca é um direito acessório que não afeta a posse do imóvel, temos que o referido direito real de garantia não tem o condão de inviabilizar a aquisição através da Usucapião. Não se pode ignorar que a usucapião traduz um modo originário de aquisição da propriedade e, não por outro motivo, ela independe de relações jurídicas anteriores.
Não podemos nos esquecer que pela Usucapião a propriedade não é adquirida do antigo proprietário, mas RETIRADA DELE legalmente, constituindo uma nova, o que impossibilita a permanência dos ônus que gravavam o imóvel antes da sua declaração. Dessa forma, mesmo que o imóvel esteja gravado com hipoteca, o interessado pode buscar o reconhecimento da aquisição da propriedade imobiliária e - desde que preencha os requisitos legais exigidos para a espécie de usucapião pretendida (e existem várias, como sempre falamos aqui) - deverá ter êxito.
Oportuno é também recordar que em muitos casos a hipoteca nem mesmo se sustenta e pode mesmo estar já extinta (como nos casos das hipotecas peremptas, nos termos do art. 1.485 do mesmo Códex). Ainda assim, se o caso não for de hipoteca perempta, não se pode esquecer que a Usucapião tem o condão de quebrar os vínculos e gravames anteriores existentes que poderiam pesar sobre o bem. Nesse sentido, recente decisão do TJMS que com todo acerto considera irrelevante a existência dos gravames como a hipoteca:
"TJMS. 08023332420158120011. J. em: 04/12/2024. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – IMÓVEL HIPOTECADO – POSSE MANSA E PACÍFICA – ANIMUS DOMINI CONFIGURADO – PRESCRIÇÃO AQUISITIVA RECONHECIDA – RECURSO DESPROVIDO. (...). O gravame hipotecário não impede a usucapião, pois a hipoteca não transfere propriedade nem caracteriza oposição à posse. Jurisprudência consolidada do TJMS e STJ corrobora que a hipoteca é garantia real que NÃO AFETA a relação possessória entre o possuidor e o imóvel. A ausência de oposição dos apelantes por mais de 10 anos, mesmo cientes da posse dos autores, reforça a configuração do animus domini e da posse ad usucapionem. Recurso desprovido. A hipoteca incidente sobre o imóvel NÃO IMPEDE o reconhecimento da usucapião extraordinária, desde que preenchidos os requisitos legais, pois a garantia real não afeta a relação de domínio fático e a posse ad usucapionem do possuidor. A configuração da posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini por 10 anos, com estabelecimento de moradia habitual ou realização de atividades produtivas, autoriza a aquisição do domínio pela prescrição aquisitiva nos termos do art . 1.238, parágrafo único, do Código Civil. (...)".
