
O término do vínculo empregatício suscita inúmeras incertezas para o trabalhador, sendo a continuidade da assistência médica uma das mais prementes. O ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 9.656/98, estabelece um direito de manutenção do plano de saúde empresarial ao empregado demitido sem justa causa. Contudo, o exercício desse direito não é absoluto, estando condicionado ao preenchimento de requisitos específicos que, por muito tempo, geraram controvérsias, especialmente no que tange à natureza da contribuição do empregado para o custeio do benefício.
Conforme preceitua o artigo 30 da referida lei, para que o ex-empregado possa permanecer no plano, é imperativo que:
1) tenha sido demitido sem justa causa;
2) tenha contribuído financeiramente para o pagamento da mensalidade do plano; e
3) assuma, a partir do desligamento, o pagamento integral do valor, que corresponde à soma da sua parte com a parcela anteriormente subsidiada pelo empregador.
O período de manutenção é de um terço do tempo de contribuição, com um mínimo de seis e um máximo de vinte e quatro meses. A principal controvérsia jurídica residia na definição do que seria "contribuir" para o plano. A interpretação mais restritiva, adotada por muito tempo, considerava como contribuição apenas o pagamento de um valor fixo mensal, descontado em folha, a título de participação na mensalidade. Não deve ser considerada contribuição para fins do direito à manutenção a situação em que os empregados participam do custeio apenas através da modalidade de coparticipação, ou seja, pagando um percentual sobre o valor de consultas e exames efetivamente realizados.
É importante, todavia, observar que, independentemente deste cenário haverá casos em que o plano deverá ser mantido, como determinou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o Tema Repetitivo 1.082. O STJ, em uma decisão de grande impacto social, resolveu questão que discutia sobre a possibilidade ou não de cancelamento unilateral - por iniciativa da operadora - de contrato de plano de saúde (ou seguro saúde) coletivo enquanto pendente tratamento médico de beneficiário acometido de doença grave.
A tese lapidada pelo STJ representa uma evolução na proteção do direito à saúde do trabalhador e foi talhada com os seguintes termos:
"A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida".
Portanto, a decisão do Tema 1.082 estabeleceu uma possibilidade excepcional, mas juridicamente consolidada, onde mesmo que o plano de saúde da sua empresa seja cancelado legalmente, a operadora deverá ser obrigada a continuar o tratamento se o ex-empregado/usuário estiver internado ou no meio de um procedimento médico essencial para a sua vida ou para evitar danos permanentes, como uma quimioterapia ou a recuperação de uma grande cirurgia. Essa proteção não é para sempre, ela dura até o momento em que o seu médico responsável dê alta, considerando que a fase crítica do tratamento terminou. Contudo, para garantir essa continuidade, há uma condição fundamental: o usuário ou sua família deverão assumir e pagar o custo integral da mensalidade do plano, ou seja, o valor que antes era, total ou parcialmente, pago pela empresa. Nesse sentido, recente decisão do TJRJ, que inclusive condenou o plano de saúde por DANOS MORAIS:
"TJRJ. 08103202620238190209. J. em: 23/01/2024. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. DISPENSA DO EMPREGADO BENEFICIÁRIO SEM JUSTA CAUSA. CUSTEIO EXCLUSIVO DO EMPREGADOR. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DA COBERTURA. EXCEPCIONALIDADE. BENEFICIÁRIO QUE SE ENCONTRA EM TRATAMENTO DE DOENÇA GRAVE. DANO MORAL. 1) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, "nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador, não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto". (REsp 1.680.318/SP e REsp 1 .708.104/SP, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 24/08/2018) 2) Deve-se, no entanto, assegurar a manutenção da cobertura do beneficiário, enquanto submetido a tratamento de doença grave, passando este a arcar com o valor integral pago por seu ex-empregador. 3) Liberdade contratual que deve ser exercida nos limites da função social do contrato, devendo a conduta dos contratantes ser regida pelos princípios da probidade e boa-fé . Incidência dos artigos 421 e 422 do cc. Precedentes. 4) Entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de resguardar os direitos daqueles que, em razão de seu peculiar estado, demandam cuidados contínuos e não podem ser privados dos cuidados médicos necessários à manutenção de sua saúde (Tema 1082 do STJ). 4) Dano moral configurado na hipótese, tendo em vista que a apelada experimentou aflição que desborda do mero aborrecimento, diante incerteza da continuidade de cobertura contratual quando se encontrava em pleno tratamento de doença grave, o que importa em ofensa à dignidade da pessoa humana e frustração de sua legítima expectativa . 5) Valor arbitrado (R$ 8.000,00 - oito mil reais) que se afigura adequado aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além de não destoar da média usualmente aplicada por esta Corte Estadual em casos análogos. 6) Recurso ao qual se nega provimento".
