Comprei um terreno e decidi construir: qual o passo a passo para a legalização da minha construção?

Direito Imobiliário

Muitos brasileiros realizam o sonho de adquirir um terreno e construir a casa própria, mas desconhecem que a propriedade legal do lote não garante, automaticamente, a regularidade da edificação. Para o direito imobiliário, enquanto a construção não for formalmente incorporada à matrícula do imóvel, a casa juridicamente "não existe", permanecendo o registro apenas como "terra nua". Essa situação de irregularidade não apenas desvaloriza o bem de mercado em até 35%, como também impede financiamentos bancários futuros e expõe o proprietário a multas municipais, evidenciando que o planejamento jurídico deve nascer junto com o projeto arquitetônico para evitar prejuízos irreparáveis.

O primeiro passo fundamental para a legalização inicia-se antes mesmo da obra, com a aprovação do projeto na Prefeitura e a emissão do Alvará de Construção. Esta etapa é crítica, pois a edificação deve respeitar o Código de Obras e a Lei de Zoneamento do município, observando recuos, taxas de ocupação e áreas permeáveis. A atuação preventiva de uma assessoria especializada neste momento é capaz de identificar entraves legais que engenheiros ou arquitetos podem não vislumbrar, garantindo que o projeto não seja embargado futuramente por infrações às normas ambientais ou urbanísticas locais.

Concluída a obra, inicia-se a fase administrativa municipal para a obtenção do "Habite-se" (ou Certificado de Conclusão de Obra). Trata-se do documento que atesta que a construção seguiu fielmente o projeto aprovado e possui condições de habitabilidade. É comum que, durante a obra, ocorram alterações no projeto original que podem travar essa emissão; nestes casos, um olhar técnico-jurídico é indispensável para conduzir processos de "mais-valia" ou requerer a adequação administrativa, evitando que a burocracia municipal torne o imóvel um ativo "congelado" e sem documentação.

Vencida a etapa da Prefeitura, o proprietário enfrenta o que costuma ser o maior desafio financeiro da regularização: a Receita Federal. É necessário realizar a Aferição de Obras pelo sistema SERO para obter a Certidão Negativa de Débitos (CND) previdenciários da obra. Aqui reside o maior perigo para o leigo e a maior vantagem de ter suporte jurídico: o cálculo do INSS da obra possui diversas variáveis, e o desconhecimento sobre prazos decadenciais ou fatores de redução pode levar o contribuinte a pagar impostos indevidos ou prescritos, valores que muitas vezes superam os próprios honorários de uma regularização profissional.

Com o Habite-se em mãos, chega-se à etapa final: a Averbação da Construção no Cartório de Registro de Imóveis (RGI). É neste momento que a matrícula do imóvel deixa de ser apenas um "lote" e passa a constar a descrição da "casa", unificando a propriedade do terreno com a da construção (acessão). Somente após este ato registral o proprietário detém a plena segurança jurídica, podendo vender o imóvel financiado ou transmiti-lo a herdeiros sem os entraves burocráticos que costumam dilapidar o patrimônio familiar em inventários complexos.

Além das leis federais, é imperativo destacar a relevância das normas locais, que podem oferecer caminhos alternativos para a regularização. Tomando como exemplo o Estado do Rio de Janeiro, o Código de Normas Extrajudiciais (CNCGJ/RJ), em seus artigos 1.297 a 1.300, flexibiliza a exigência do "Habite-se" em situações específicas. A norma fluminense permite a averbação mediante apresentação da guia de IPTU em casos pontuais ou até a dispensa do certificado para casas térreas de baixa renda finalizadas há mais de cinco anos, além de simplificar o registro para imóveis rurais mediante declaração. Tais nuances legislativas reforçam que cada caso possui particularidades regionais que somente uma análise jurídica detalhada pode identificar, transformando o que seria um entrave burocrático em solução viável.

Conclui-se, portanto, que a regularização de uma obra não é mera burocracia, mas um ato de proteção patrimonial. Embora o passo a passo pareça linear, cada etapa esconde armadilhas fiscais e registrais que podem onerar excessivamente o proprietário desavisado. A segurança de transformar tijolos em patrimônio legalizado depende, invariavelmente, de uma condução técnica assertiva, onde a consulta a um advogado especialista em Direito Imobiliário deixa de ser uma opção e torna-se um investimento estratégico para garantir que o seu imóvel seja, de fato e de direito, inteiramente seu.