É possível Inventário Extrajudicial mesmo se houver Herdeiro Interditado?

Inventario

Historicamente, a presença de um herdeiro menor ou incapaz em um processo sucessório inviabilizava a via EXTRAJUDICIAL, tornando o inventário e a partilha uma prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário. A premissa era a necessidade de proteção dos interesses desses indivíduos, que não possuíam plena capacidade para manifestar sua vontade ou anuir a termos de partilha, exigindo a intervenção de um juiz e do Ministério Público. Contudo, uma recente e significativa alteração na Resolução n. 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promovida pela Resolução n. 571, de 26 de agosto de 2024, reconfigurou esse cenário, abrindo novas e importantes possibilidades para a desjudicialização.

Para compreender a magnitude dessa mudança, é fundamental revisitar o conceito de interdição. A interdição é uma medida judicial que declara a incapacidade de uma pessoa para praticar atos da vida civil, total ou parcialmente, em razão de doença ou deficiência que a impeça de exprimir sua vontade de forma lúcida e consciente. O objetivo primordial da interdição é a proteção do indivíduo, garantindo que seus direitos e interesses sejam resguardados por um curador nomeado judicialmente, que passará a representá-lo ou assisti-lo na prática dos atos jurídicos necessários.

Tradicionalmente, a pessoa interditada, por ser legalmente incapaz, não possuía autonomia para consentir com os termos de uma partilha de bens, mesmo que representada por seu curador. A intervenção do Ministério Público e a homologação judicial eram consideradas indispensáveis para assegurar que o quinhão do incapaz fosse devidamente protegido e que não houvesse prejuízo em seu detrimento. Essa exigência, embora protetiva, frequentemente resultava em processos mais longos e onerosos, impactando a celeridade na regularização patrimonial das famílias.

A Resolução n. 571/2024 do CNJ, ao incluir o Art. 12-A na Resolução n. 35/2007, representa um marco. Agora, é expressamente possível realizar o inventário por escritura pública, mesmo quando há interessado menor ou incapaz, incluindo o herdeiro interditado. Essa inovação visa aprimorar a desjudicialização, conferindo maior agilidade aos procedimentos sucessórios, sem, contudo, negligenciar a proteção dos vulneráveis. A mudança reflete uma modernização do Direito Sucessório extrajudicial, alinhando-o às necessidades de uma sociedade que busca soluções mais eficientes.

Para que o inventário extrajudicial com herdeiro interditado seja válido, a nova regra estabelece condições rigorosas e cumulativas. Primeiramente, o pagamento do quinhão hereditário ou da meação do incapaz deve ocorrer em parte ideal em cada um dos bens inventariados. Isso significa que a partilha não pode atribuir bens específicos ou valores líquidos ao interditado, mas sim uma fração percentual sobre o conjunto dos bens. Além disso, a eficácia da escritura pública dependerá da manifestação favorável do Ministério Público, a quem o tabelião de notas deverá encaminhar o expediente para análise e aprovação, funcionando como um filtro protetivo essencial.

Outra salvaguarda crucial imposta pela nova norma é a vedação expressa à prática de atos de disposição relativos aos bens ou direitos do interessado menor ou incapaz na própria escritura de inventário. Essa medida impede que o patrimônio do interditado seja alienado ou onerado sem a devida autorização judicial específica, reforçando a proteção de seus interesses. Caso o Ministério Público ou qualquer terceiro interessado apresente impugnação, o procedimento será automaticamente remetido à apreciação do juízo competente, garantindo que a via judicial esteja sempre disponível como último recurso para a defesa dos direitos do incapaz.

Diante da complexidade das novas regras e da necessidade de observância estrita das condições impostas pelo CNJ, a atuação de um advogado especialista em Direito Sucessório e Imobiliário torna-se ainda mais crucial. Somente um profissional qualificado poderá analisar a documentação, orientar sobre a melhor forma de partilha para o herdeiro interditado, preparar o expediente para o Ministério Público e garantir que todos os requisitos legais sejam cumpridos. A correta aplicação desta nova possibilidade legal pode significar a diferença entre um processo ágil e eficaz e um entrave burocrático, assegurando que a proteção do incapaz seja uma prioridade, mesmo na via extrajudicial.