
A aquisição da casa própria envolve custos que vão muito além do valor do imóvel (e essa pode ser a razão para tamanha irregularidade na situação jurídica de muitos imóveis no Brasil). As despesas com ITBI e, principalmente, com os emolumentos cartorários (taxas para lavratura de Esritura e Registro) representam uma fatia considerável do orçamento. No entanto, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) prevê um benefício crucial que muitos cartórios vinham aplicando de forma restritiva: o desconto de 50% nos emolumentos para a primeira aquisição financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A novidade é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acaba de firmar um entendimento que amplia o acesso a esse direito.
O cerne da questão está no Artigo 290 da Lei 6.015/73, que dispõe:
"Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinqüenta por cento)".
Durante anos, a interpretação de muitos Oficiais de Registro era a de que, para obter o desconto, o cidadão não poderia possuir NENHUM OUTRO IMÓVEL EM SEU NOME, mesmo que tivesse sido adquirido por herança, doação ou compra à vista.
Recentemente, no julgamento do Pedido de Providências nº 0007496-70.2024.2.00.0000, o Corregedor Nacional de Justiça pacificou a controvérsia. A decisão estabeleceu que a interpretação deve ser literal: o desconto é devido na primeira aquisição financiada pelo SFH. Ou seja, é IRRELEVANTE para a concessão do benefício se o comprador já possui outros imóveis adquiridos por meios distintos (como uma herança ou uma compra anterior fora do SFH). O que importa é que seja a primeira vez que ele utiliza o sistema de financiamento habitacional subsidiado para comprar um lar.
A fundamentação jurídica adotada pelo CNJ baseia-se no Princípio da Legalidade Tributária e no Código Tributário Nacional. Como os emolumentos têm natureza de taxa, as isenções e descontos devem ser interpretados literalmente. Se a lei não escreveu expressamente "desde que o adquirente não possua outros bens", NÃO CABE AO CARTÓRIO criar essa restrição negativa. Criar requisitos extras violaria o direito do consumidor e a intenção social da norma, que é facilitar o acesso à moradia digna.
Na prática, isso significa uma grande vitória para milhares de brasileiros. Imagine um cenário onde uma pessoa herdou uma fração de um imóvel dos pais, ou comprou um terreno à vista anos atrás. Pela interpretação antiga, essa pessoa perderia o desconto ao financiar seu primeiro apartamento pelo SFH. Com a nova decisão do CNJ, essa barreira cai. Se é o primeiro contrato de financiamento SFH para moradia, o desconto de 50% é obrigatório, independentemente do patrimônio prévio do comprador.
É importante ressaltar que os requisitos operacionais do SFH também evoluíram. Atualmente, possuir outro imóvel não impede, por si só, a concessão de crédito imobiliário nessa modalidade, desde que respeitados os tetos de valores e a finalidade residencial. Portanto, o alinhamento feito pelo CNJ traz coerência entre as regras bancárias de concessão de crédito e as regras cartorárias de registro, garantindo segurança jurídica e economia financeira.
Contudo, a aplicação automática desse entendimento nos balcões dos cartórios pode não ser imediata. Infelizmente ainda é comum que haja resistência ou desconhecimento sobre a nova diretriz administrativa, especialmente em comarcas do interior - mas isso precisa ser combatido uma vez que o CNJ já resolveu e pacificou a interpretação da regra. Ao assinar o contrato de financiamento com o banco, o comprador deve estar atento à planilha de custos apresentada pelo cartório no momento do registro mas também conhecer seus direitos. O desconto não é um favor, é lei, e deve ser solicitado formalmente no momento do protocolo do título.
Diante desse cenário, a figura do Advogado Especialista em Direito Imobiliário torna-se essencial não apenas na análise de riscos da compra (due diligence), mas também na conferência dos custos cartorários. Muitas vezes, o valor economizado com a correta aplicação do Art. 290 paga os honorários da assessoria jurídica e ainda sobra. Caso o cartório negue o desconto indevidamente, a intervenção de um advogado é fundamental para suscitar dúvida ou apresentar reclamação administrativa, garantindo que o seu direito, agora reforçado pelo CNJ, seja efetivamente respeitado.
No Estado do Rio de Janeiro, a exemplo de muitos outros Estados, a CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA já atualizou seu Código de Normas local para compatibilizar com a regra da decisão do CNJ. Aqui no Estado do Rio vale o Provimento CGJ/RJ 51/2025 que modifica as regras dos arts. 357 e 1.077. A ementa da referida decisão do CNJ decreta:
"CNJ. Pedido de Providências nº. 0007496-70.2024.2.00.0000. J. em: 05/05/2025. EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. EXTRAJUDICIAL. REGISTRO DE IMÓVEIS. DESCONTO DE EMOLUMENTOS. ARTIGO 290 DA LEI Nº 6.015/73. PRIMEIRA AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA PARA FINS RESIDENCIAIS FINANCIADA PELO SFH. DIVERGÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO. UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. INTERPRETAÇÃO LITERAL. DESNECESSIDADE DE AUSÊNCIA DE PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA ANTERIOR. CIÊNCIA ÀS CORREGEDORIAS ESTADUAIS. ARQUIVAMENTO".
