O Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ) é a atribuição registral que, nos termos da Lei 6.015/73 é competente para o registro e a publicidade dos atos constitutivos, alterações e demais documentos referentes às Pessoas Jurídicas de direito privado, inclusive Associações, Fundações, Organizações Religiosas e Sociedades Simples, conforme dispõe inclusive o Código Civil brasileiro. Sua função primordial é assegurar a autenticidade, segurança e eficácia jurídica dos atos da pessoa jurídica perante terceiros, além é claro de determinar com seu registro o início da EXISTÊNCIA LEGAL das referidas pessoas jurídicas, nos termos do art. 45 do CCB:
"Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a INSCRIÇÃO do ato constitutivo no respectivo REGISTRO, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".
No contexto associativo, as atas de assembleias gerais, especialmente aquelas relativas à ELEIÇÃO e POSSE da Diretoria, assumem papel central para a constituição da representação legal da entidade. O registro dessas atas no RCPJ é imprescindível para conferir publicidade e validade externa aos atos, bem como para garantir a continuidade da gestão administrativa. O princípio registral da CONTINUIDADE é um dos fundamentos que orientam a administração das pessoas jurídicas, responsável inclusive para atestar a segurança jurídica registral, determinando que a entidade deve manter sua representação legal regularmente constituída, não podendo permanecer acéfala por AUSÊNCIA DE REGISTRO de seus atos estatutários essenciais. Assim, a periodicidade do registro das atas de eleição e posse da diretoria é condição que assegura a regularidade da representação e a legitimidade dos atos praticados pela entidade perante a Sociedade.
O descumprimento dessa obrigação pode acarretar a irregularidade da pessoa jurídica, expondo-a a riscos jurídicos, inclusive a impossibilidade de movimentação bancária, celebração de contratos e participação em licitações, por ausência de comprovação documental de sua representação legal válida e vigente. Uma vez verificada a ausência de registro de atas anteriores, de acordo com a periodicidade estabelecida nos ESTATUTOS, reputa-se juridicamente correta a exigência do Cartório do RCPJ para que sejam apresentadas e registradas as atas retroativas ainda existentes, a fim de sanar eventuais LACUNAS na cadeia documental da entidade. O não registro compromete a continuidade registral e tal exigência visa restabelecer a regularidade formal da pessoa jurídica, conferindo-lhe a necessária segurança jurídica e conformidade com as normas legais e principalmente estatutárias. Afinal de contas, como sempre dissemos aqui, o Cartório do RCPJ não é um mero repositório de papéis: a bem da verdade ele, tal como os demais Registros Públicos, têm a obrigação de qualificar os atos que lhe são submetidos a exame e registro/arquivamento, de modo que aqueles atos que não estiverem de acordo com a Lei e os próprios Estatutos da PJ deverão ser devolvidos com a respectiva Nota devolutiva contendo as exigências a serem satisfeitas pelo interessado/apresentante.
É imprescindível que tais atas retroativas correspondam a documentos efetivamente lavrados e já existentes, com conteúdo fático verdadeiro e formalidade legal observada. Não se afigura admissível, sob o prisma jurídico e ético, que o RCPJ exija a confecção/produção de atas que não existiram, ou seja, que atas que não foram efetivamente realizadas/lavradas na época correspondente, para fins de registro a destempo - por mais que a entidade tenha funcionado e não tenha realizado tais atos conforme determina seus Estatutos.
No contexto em que uma entidade tenha mantido suas atividades, ainda que sem a lavratura formal das Atas de Eleição e Posse, por exemplo, é evidente que há uma irregularidade a ser sanada, porém a exigência de elaboração e registro de DOCUMENTOS FICTÍCIOS e não existentes até então, para suprir a lacuna documental se mostra incompatível com os princípios da boa-fé, veracidade e segurança jurídica que regem o Sistema Registral. Nessas situações, o caminho adequado é a adoção de medidas corretivas compatíveis com a realidade fática, como a realização de assembleias regulares para eleição da diretoria atual e adoção de providências que possam sanar a irregularidade, sem a necessidade de retroagir formalmente documentos inexistentes. Sendo o caso até mesmo o procedimento judicial determinado pelo art. 49 do Código Civil pode ser cogitado:
"Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório".
Em suma, o RCPJ possui legitimidade para exigir o registro das atas retroativas existentes, como forma de garantir a continuidade da representação legal da pessoa jurídica e a regularidade de seus atos. Contudo, tal exigência deve respeitar a veracidade documental, não podendo impor ao interessado a confecção de atas inverídicas para fins de registro, como inclusive confirmou a decisão acertada do Conselho da Magistratura do TJRJ reformando sentença do Juízo de piso, senão vejamos:
"TJRJ. 0002471-82.2015.8.19.0058. J. em: 26/09/2024. CONSELHO DA MAGISTRATURA. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELA OFICIALA DO CARTÓRIO ÚNICO DE SAQUAREMA. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE ATA DE ASSEMBLEIA GERAL PARA A ELEIÇÃO DE PASTOR PRESIDENTE DE IGREJA EVANGÉLICA E DOS MEMBROS DE DIRETORIA. REGISTRO OBSTADO DIANTE DA AUSÊNCIA DE ATOS REGISTRAIS CONCERNENTES ÀS ELEIÇÕES BIENAIS ANTERIORES, EM VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. SENTENÇA JULGOU A DÚVIDA PROCEDENTE. PROCURADORIA DE JUSTIÇA OPINOU PELA REFORMA DA SENTENÇA. A EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE ATAS ANTERIORES INEXISTENTES PELO FATO DE NÃO TEREM SIDO REALIZADAS IMPLICA EM EXIGIR ALGO INEXISTENTE. POSSIBILIDADE DO REGISTRO REQUERIDO. A BUROCRACIA EXACERBADA ACARRETA PREJUÍZO À PRÓPRIA CONTINUIDADE DA ASSOCIAÇÃO. DÚVIDA QUE SE AFIGURA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO".