Posso renunciar à herança dos meus pais mesmo com eles ainda vivos?

Inventario

Muitas pessoas, por razões pessoais, financeiras ou de planejamento, desejam se desvincular de uma futura herança de seus pais antes mesmo do falecimento deles. Contudo, a legislação brasileira é categórica ao afirmar que não é possível renunciar a uma herança de pessoa viva (art. 426 do CCB). O direito à herança só se concretiza e se torna um bem jurídico no exato momento da morte do autor do patrimônio (momento em que patrimônio/bens se tornam efetivamente herança/direitos hereditários). Antes desse evento, o que um filho ou filha possui é uma mera "expectativa de direito", e a lei proíbe que essa expectativa seja objeto de qualquer contrato ou renúncia formal.

Essa proibição existe para proteger tanto os pais quanto os próprios herdeiros. A regra prevista no artigo 426 do Código Civil considera nulo qualquer contrato sobre herança de pessoa viva, prática conhecida como "pacta corvina" (pacto dos corvos). O objetivo é assegurar que os pais tenham total liberdade para administrar, vender ou doar seus bens como quiserem enquanto viverem, sem estarem amarrados a nenhuma decisão prévia de um futuro e hipotético herdeiro. Além disso, a norma busca evitar negociações que possam ter como pano de fundo o indesejável "interesse na morte de alguém".

Ainda que não seja possível antecipar a renúncia, o desejo de não receber a herança pode ser plenamente realizado no momento oportuno. Após o falecimento de um dos genitores, com a abertura da sucessão, o interessado poderá exercer o seu direito de renúncia. Este é um ato formal, voluntário e irrevogável, pelo qual o renunciante declara expressamente que não aceita a parte do patrimônio que lhe caberia. Ao fazer isso, o renunciante é legalmente considerado como se nunca tivesse sido herdeiro, e sua parte é redistribuída aos demais herdeiros da mesma classe (por exemplo, seus irmãos).

Para que a renúncia seja válida, ela precisa seguir uma formalidade rigorosa: o artigo 1.806 do Código Civil determina que o ato deve ser feito por um de dois meios: através de um instrumento público, que é uma ESCRITURA lavrada em um Tabelionato de Notas (qualquer Tabelionato de Notas, inclusive de forma virtual hoje em dia plenamente possível e válida), ou por um TERMO JUDICIAL, que é uma declaração assinada pelo herdeiro interessado na renúncia, dentro do processo de inventário. Uma simples declaração verbal ou um documento particular não têm qualquer validade jurídica para efetivar a renúncia, sendo crucial seguir o procedimento correto para garantir a segurança do ato.

Não é demais recordar que se a Renúncia não pode ser feita antes do evento morte que gera a herança, ela também não pode ser feita depois que a "herança" se extingue, por exemplo, com a formalização da partilha. Há, portanto, um interregno onde se admitirá a renúncia, que inclusive não deve ser admitida se antes da sua manifestação o interessado já tiver manifestado aceitação.

É muito importante, também, não confundir a renúncia com a "CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS". Quando você simplesmente renuncia (renúncia abdicativa), você não paga imposto e sua parte volta para o Espólio. Contudo, se você "renunciar" em favor de uma pessoa específica (por exemplo, "renuncio à minha parte em favor do meu irmão"), a lei interpreta isso como dois atos: primeiro, você aceitou a herança; segundo, você a doou. Isso é, na prática, uma cessão de direitos, e gera a cobrança de impostos (ITCMD) como se você tivesse recebido e doado o patrimônio.

Diante de tudo o que foi explicado, embora a renúncia em vida não seja uma opção, isso não significa que não existam soluções para esse tipo de cenário. A recomendação fundamental é que um Advogado Especialista seja consultado. Este profissional poderá analisar as particularidades da situação familiar e os objetivos pessoais para traçar uma estratégia segura, tanto na via judicial quanto na via extrajudicial ou mesmo uma combinação delas. Ele poderá, por exemplo, orientar sobre como proceder com a renúncia no futuro, discutir a possibilidade de um diálogo sobre eventual PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO com os genitores (como a elaboração de um testamento por parte deles) ou estruturar uma futura cessão de direitos da maneira mais eficiente, garantindo que a vontade seja cumprida com total segurança jurídica e economia de tempo e recursos.