
Muitas famílias brasileiras, na ânsia de conquistar a casa própria e com base na confiança mútua, iniciam construções em terrenos pertencentes a parentes, classicamente no "terreno da sogra" ou dos pais. Juridicamente, essa situação atrai uma regra dura do Código Civil brasileiro conhecida como "superficies solo cedit" (a superfície cede ao solo). Em termos simples, a lei presume que O DONO DO SOLO É TAMBÉM O DONO DE TUDO O QUE NELE FOR PLANTADO OU EDIFICADO. Portanto, ao construir no terreno alheio sem a devida formalização prévia, a propriedade da casa passa a integrar o patrimônio do dono do lote, gerando uma insegurança jurídica imensurável para quem custeou a obra.
O cenário mais comum é a realização dessas obras sob a égide da boa-fé, fundamentada em "permissão verbal familiar". O Artigo 1.255 do Código Civil estabelece que aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções. No entanto, o legislador protegeu a boa-fé: se a construção foi autorizada, quem construiu tem direito a ser indenizado pelo valor das benfeitorias. É crucial entender que o direito à indenização NÃO SE CONFUNDE com o direito à propriedade do imóvel, e é neste ponto que surgem os maiores conflitos em casos de divórcio ou falecimento dos proprietários do terreno.
Para solucionar esse impasse e evitar prejuízos financeiros irreparáveis, a primeira via de regularização é a instituição de um Condomínio Edilício ou o Desmembramento do lote, se a metragem e a legislação municipal permitirem. Transforma-se o terreno único em frações ideais ou lotes autônomos, permitindo que a construção tenha uma matrícula própria no Registro de Imóveis. Para isso, pode ser necessária a realização de uma ESCRITURA DE COMPRA E VENDA ou DOAÇÃO da fração do terreno correspondente à casa construída, operações que envolvem o recolhimento de impostos como ITBI ou ITCMD, além de outras despesas.
Uma inovação legislativa recente e extremamente eficaz para estes casos é o DIREITO DE LAJE. Introduzido pela Lei 13.465/2017, este instrumento permite a regularização de construções erguidas sobre ou sob uma edificação base, criando uma unidade imobiliária autônoma com matrícula própria, sem a necessidade de adquirir uma fração do terreno. É a solução ideal para os famosos "puxadinhos" ou segundas casas construídas na laje da casa dos sogros, conferindo dignidade registral e valor de mercado ao imóvel, que poderá ser vendido ou financiado independentemente do imóvel base.
Outra possibilidade jurídica, embora mais complexa, é a chamada ACESSÃO INVERSA. Quando o valor da construção excede consideravelmente o valor do terreno e houve boa-fé (que deve ser presumida, como sabemos, regra do art. 113 do mesmo CCB), o construtor pode adquirir a propriedade do solo mediante pagamento de indenização ao dono do terreno. Diferente da regra geral onde o dono do solo ganha a casa, aqui a casa "engole" o terreno. Contudo, esta solução geralmente exige uma ação judicial para fixar os valores justos, caso não haja ACORDO AMIGÁVEL entre genros, noras e sogros.
É importante desmistificar a ideia da USUCAPIÃO neste contexto específico. Embora seja uma forma originária de aquisição de propriedade, a usucapião entre familiares é juridicamente complexa, pois a ocupação do imóvel muitas vezes é vista pelos tribunais como "mera tolerância" ou "comodato verbal", o que não gera posse com ânimo de dono (animus domini), requisito essencial para usucapir. Apenas uma análise minuciosa do caso concreto pode determinar se houve a transmutação da posse que viabilizaria esta tese.
Diante da complexidade de regularizar uma obra já consolidada ("fait accompli"), a atuação corretiva é indispensável. Não se trata apenas de "papelada", mas de blindagem patrimonial. Regularizar o imóvel garante que o capital investido na construção não seja perdido em disputas sucessórias (herança) ou em partilhas de bens decorrentes de divórcio. Um imóvel regularizado tem seu valor de mercado ampliado em até 40%, além de garantir a segurança de moradia para a família do construtor.
Por fim, a remediação jurídica deste cenário exige estratégia. Tentar resolver informalmente ou postergar a regularização apenas agrava o risco e encarece a solução futura. A consulta a um Advogado Especialista em Direito Imobiliário é mandatória para desenhar a engenharia jurídica mais econômica e segura para o caso — seja via escritura de doação, instituição de direito de laje ou ação indenizatória. O especialista atuará não mais para prevenir o ato de construir, mas para remediar a titularidade, transformando uma posse precária em propriedade plena e registrada.
