
A questão tributária envolvendo organizações religiosas é tema recorrente no Direito Imobiliário e Tributário, especialmente no momento da expansão e na regularização patrimonial dessas entidades. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso VI, alínea "b", instituiu a imunidade tributária às "entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes" (antes da EC 132/2023 a CF falava apenas em "templos de qualquer culto"). Esta proteção constitucional impede que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituam impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais dessas instituições. Portanto, em regra, a aquisição de imóveis por igrejas para a instalação de templos não deve sofrer a incidência de impostos.
No que tange especificamente ao ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), de competência municipal, a imunidade se aplica no momento do REGISTRO da Escritura de compra e venda. A jurisprudência, incluindo o entendimento consolidado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), aponta que a cobrança desse imposto sobre a aquisição de terreno ou prédio destinado à instalação de templo é inconstitucional. O fato gerador do ITBI — a transmissão da propriedade — é diretamente atingido pela norma imunizante, desde que o imóvel seja incorporado ao patrimônio da entidade para servir aos seus propósitos institucionais.
Também é fundamental compreender que essa imunidade é condicionada, mas goza de presunção de veracidade. Conforme o § 4º do artigo 150 da Constituição, a vedação ao poder de tributar compreende somente o patrimônio relacionado com as finalidades essenciais da entidade. Contudo, os Tribunais Superiores e o TJRJ firmaram o entendimento de que há uma presunção relativa de que o imóvel adquirido pela igreja será destinado a tais fins. Isso significa que não cabe à entidade religiosa fazer prova diabólica de suas intenções futuras no momento da compra; a boa-fé é presumida.
Nesse cenário, ocorre uma inversão do ônus da prova em desfavor do Fisco. Caso a Fazenda Pública deseje cobrar o ITBI ou o IPTU, cabe a ela provar que houve desvio de finalidade (tredestinação) ou simulação no negócio jurídico, conforme preceitua o artigo 373, II, do Código de Processo Civil. Em recentes decisões, o Judiciário tem anulado cobranças fiscais baseadas em meras alegações de discrepância de valores venais ou suspeitas infundadas de que a compra seria uma doação dissimulada, exigindo do Ente Público provas robustas para afastar a imunidade.
Quanto ao IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), a lógica protetiva se mantém e se estende. A imunidade abrange não apenas o edifício onde ocorrem os cultos, mas também imóveis relacionados às atividades meio da igreja, como residências de religiosos, estacionamentos e anexos administrativos. Importante anotar, inclusive, a Súmula Vinculante nº 52 do Supremo Tribunal Federal (STF) pacíficou que, mesmo quando alugado a terceiros, o imóvel pertencente à entidade religiosa permanece imune ao IPTU, desde que o valor dos aluguéis seja revertido para as atividades essenciais da instituição.
Para gozar desses benefícios, no entanto, as entidades religiosas devem cumprir requisitos estabelecidos no artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN), tais como: não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas a qualquer título; aplicar integralmente no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. O descumprimento dessas obrigações acessórias pode levar à suspensão do benefício fiscal.
É sempre bom recordar que os fatos geradores destes tributos possuem naturezas distintas, embora ambos recaiam sobre o patrimônio imobiliário. O ITBI tem sua hipótese de incidência na transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato ONEROSO, de bens imóveis, concretizando-se efetivamente no momento do registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (RGI). Já o IPTU é um imposto periódico cujo fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana, renovando-se a cada exercício fiscal (anualmente). A compreensão técnica desses momentos — a transmissão registral e a manutenção da propriedade — é crucial, pois é exatamente sobre a materialização desses eventos que a norma constitucional de imunidade atua, impedindo o nascimento da obrigação tributária principal.
Conclui-se, portanto, que a regra é a não incidência de ITBI na compra e de IPTU na manutenção da propriedade imobiliária por igrejas, desde que respeitados os requisitos legais. Muitas vezes, os Municípios indeferem administrativamente os pedidos de reconhecimento de imunidade, gerando inscrições indevidas em Dívida Ativa. Nesses casos, a atuação de uma advocacia especializada é imprescindível para manejar ações anulatórias ou exceções de pré-executividade, garantindo judicialmente o direito constitucional das organizações religiosas de expandirem sua fé sem o oneroso peso da carga tributária de impostos.
POR FIM, importante precedente do TJRJ ratificando o entendimento:
"TJRJ. 0014753-36.2019.8.19.0213. APELAÇÃO. J. em: 20/07/2022. Apelação Cível. Ação Anulatória. Direito Tributário e Processual Civil. Débito relativo a ITBI. Escritura de compra e venda de imóvel visando instalação de templo religioso, por entidade religiosa. Sentença de procedência. Manutenção. Imunidade tributária - art. 150, VI, b, da CRFB. Situações excepcionais aptas a afastar o benefício - arts. 14 e 9º do CTN não demonstradas. Interpretação vinculativa do E. STF - verbete nº 52 da Súmula Vinculante, favorável aos imunes. Ausência de contraprova pelo ente público. Alegação de ocorrência de simulação, eis que o negócio entabulado seria uma doação não provada. Descumprimento do ônus do art.373,II, do CPC. Majoração dos honorários advocatícios, na forma do art.85, §11, do CPC. (...) DESPROVIMENTO DO RECURSO".
