
A regularização da propriedade imobiliária é um passo fundamental para garantir a segurança jurídica e a valorização de um bem. Em muitos casos, a formalização da titularidade se dá por meio da Adjudicação Compulsória, um instrumento jurídico que permite ao comprador, que quitou integralmente o preço de um imóvel, obter o REGISTRO de sua propriedade quando o vendedor se recusa ou se omite em outorgar a Escritura Definitiva. Com a Lei nº 14.382/2022, que inseriu o artigo 216-B na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), a adjudicação compulsória ganhou uma nova e promissora via: a EXTRAJUDICIAL, realizada diretamente em Cartório de Registro de Imóveis.
A Adjudicação Compulsória, seja judicial ou extrajudicial, visa superar o obstáculo da ausência de Escritura Pública definitiva de compra e venda, transformando um contrato preliminar (como uma Promessa de Compra e Venda ou uma Cessão de Direitos) em título hábil para o registro da PROPRIEDADE. A via extrajudicial, em particular, busca desburocratizar o processo, oferecendo uma alternativa mais rápida e, em tese, menos custosa, desde que haja consenso e a documentação esteja em ordem.
Para requerer a adjudicação compulsória extrajudicial, o interessado deve apresentar uma série de documentos, conforme o § 1º do Art. 216-B da Lei de Registros Públicos, incluindo o instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão, prova do inadimplemento do vendedor, ATA NOTARIAL atestando a posse e o pagamento do preço, certidões negativas de litígios e, crucialmente, o comprovante de pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). É neste último ponto que frequentemente surgem dúvidas e exigências indevidas por parte dos cartórios.
Uma questão recorrente, e que foi objeto de análise no acórdão do Conselho da Magistratura do TJRJ (0802216-53.2024.8.19.0001), é se o Cartório de Registro de Imóveis pode exigir o pagamento do ITBI referente a cada uma das promessas de cessão de direitos anteriores que compõem a cadeia de aquisição do imóvel. A resposta, conforme o entendimento consolidado e ratificado pelo referido julgado, é negativa.
O cerne da questão reside na compreensão do fato gerador do ITBI. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis incide, como o próprio nome sugere, sobre a transmissão da propriedade imobiliária. E, no sistema jurídico brasileiro, a propriedade de bens imóveis somente se transfere mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Portanto, a mera celebração de uma promessa de compra e venda ou de uma cessão de direitos (ou várias delas, inclusive, muito comum nesse tipo de regularização imobiliária, remediada com Adjudicação Compulsória), que são contratos preliminares e não transferem a propriedade, não constitui o fato gerador do ITBI. Portanto, o ITBI não deve ser cobrado por cada uma das Cessões ou Promessas.
O acórdão do TJRJ, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (Tema 1124 – ARE 1.294.969), é categórico ao afirmar que "O ITBI somente é devido quando se transfere o domínio; sendo certo que apenas a transcrição do título de transferência no registro de imóveis dará ensejo a sua incidência, não podendo ser tributada a mera de cessão de direitos." Isso significa que, na adjudicação compulsória extrajudicial, o ITBI será devido apenas uma única vez, no momento do registro da carta de adjudicação, que formaliza a transmissão da propriedade do proprietário registral para o adjudicante.
A regularização de um imóvel via adjudicação compulsória, seja judicial ou extrajudicial, é um processo que visa conferir a segurança jurídica da propriedade. Exigências indevidas, como o recolhimento múltiplo do ITBI sobre cada elo da cadeia de cessões, além de onerar excessivamente o cidadão, desvirtuam a finalidade do imposto e a própria celeridade que se busca com a via extrajudicial. Embora o Oficial de Registro tenha o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos, essa fiscalização deve se ater ao fato gerador legalmente previsto.
Nesse contexto, a atuação de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário é crucial. Este profissional não apenas orientará o cliente sobre a documentação necessária e os requisitos da adjudicação compulsória, mas também estará apto a identificar e contestar exigências indevidas por parte do Cartório, como a cobrança de ITBI sobre as cessões de direitos anteriores. A expertise jurídica garante que o processo de regularização do imóvel ocorra de forma correta, econômica e eficiente, assegurando o direito à propriedade plena e registrada.
O louvável acórdão assim foi ementado:
"TJRJ. 0802216-53.2024.8.19.0001. J. em: 01/12/2025. CONSELHO DA MAGISTRATURA. APELAÇÃO. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 9º OFÍCIO DE REGISTRO GERAL DE IMÓVEIS DA CAPITAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL. OFICIAL OBSTOU O REGISTRO PRETENDIDO, SUSTENTANDO A NECESSIDADE DE: (1) JUNTAR CERTIDÕES DE PAGAMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO REFERENTES ÀS PROMESSAS DE CESSÃO DE DIREITOS; E (2) REQUERER EM SEPARADO A NOTIFICAÇÃO DOS PROMITENTES CEDENTES. SENTENÇA JULGOU PROCEDENTE A DÚVIDA SUSCITADA. IRRESIGNAÇÃO. PARECER DA DOUTA PROCURADORIA OPINANDO PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA PRIMEIRA EXIGÊNCIA, UMA VEZ QUE O ITBI SOMENTE É DEVIDO QUANDO SE TRANSFERE O DOMÍNIO. APENAS A TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO DE TRANSFERÊNCIA NO REGISTRO DE IMÓVEIS DARÁ ENSEJO A SUA INCIDÊNCIA, NÃO PODENDO SER TRIBUTADA A MERA DE CESSÃO DE DIREITOS. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DA PARTE INADIMPLENTE NA OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA, O QUE INCLUI OS PROMITENTES CEDENTES E O TITULAR DO DIREITO DE PROPRIEDADE REGISTRADO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 216-B, § 1º, INCISOS II, III E IV DA LEI Nº 6.015/73. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO PARA QUE SEJA JULGADA IMPROCEDENTE A EXIGÊNCIA 1 E PROCEDENTE A EXIGÊNCIA 2 DA DÚVIDA".
