Qual o valor da Usucapião Extrajudicial?

A pergunta é simples demais e num primeiro momento pode desafiar duas possíveis respostas: a primeira, bem objetiva e sem maiores digressões, relativa aos custos, o preço efetivo a ser desembolsado por quem pretende se beneficiar do procedimento inaugurado pelo CPC/2015 – e a segunda – mais profunda, complexa e reflexiva – que diz respeito à importância, validade, oponibilidade – e neste caminhar, pareado com todo o prestígio do sistema registral imobiliário instituído pela Lei 6.015/73 – garantia, autenticidade, eficácia e segurança.

Neste breve ensaio ousamos discorrer sobre esses dois aspectos importantes no Procedimento da Usucapião Extrajudicial: quanto ele vai custar para os interessados e os benefícios que ele conferirá.

 

O VALOR: a importância da regularização do imóvel pela Usucapião Extrajudicial

Recentemente a mídia informou que praticamente metade dos imóveis no país são irregulares[1]. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional pouco mais de 30 milhões dos 60 milhões de imóveis urbanos no Brasil não possuem Escritura; o problema não é recente, é complexo de se resolver e reclama políticas da mesma estatura para sua solução, pelo menos em tese possível de ser alcançada.

Nesse cenário e em meio a tantas medidas para a solução do problema da irregularidade da propriedade de imóveis, eis que em 2015 por ocasião do novo CPC/2015 surge a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL a ser resolvida diretamente nos Cartórios, sem qualquer participação ou homologação do Judiciário (e – da mesma forma que o Inventário Extrajudicial em 2007 eclodindo muito receio, dúvidas, questionamentos – até porque, da mesma forma que o Inventário administrativo, a norma que o instituiu não tratou em detalhes do seu procedimento, fazendo emergir a urgente necessidade de normas regulamentadoras a lhe darem viabilidade). As Corregedorias locais editaram cada qual a seu tempo regramentos, porém somente em 2017 com a edição do Provimento 65 pelo CNJ os principais atores (assim entendidos os usucapientes, os cartorários e os advogados) passaram a ter mais luzes para ajudar na utilização da nova ferramenta.

Não restam dúvidas que, sob o prisma individual do cidadão, ter seu imóvel regularizado, titularizado e com registro lhe traz diversos benefícios; verdadeiro cumprimento dos postulados constitucionais garantidores, como o direito à propriedade, dignidade da pessoa humana, direito à moradia, lazer, segurança etc – assim como os nítidos benefícios que só o regular Registro Imobiliário confere ao seu titular: publicidade, autenticidade, segurança e eficácia, com oponibilidade e envergadura erga omnes.

Sob o aspecto da coletividade, sim, também se permitirá com a regularização o desenvolvimento das funções sociais da cidade, do meio ambiente, dos habitantes, a implantação de políticas que permitirão o lazer, a segurança, a saúde, o desenvolvimento social, enfim a cidadania.

Importante salientar que a municipalidade também se beneficia diretamente da regularização oriunda da Usucapião por viabilizar a consecução de políticas urbanas e especialmente na questão de arrecadação de impostos já que regularizada a propriedade o seu titular passará a constar do cadastro de contribuintes colaborando com os impostos previstos em Lei permitindo que a urbe se desenvolva.

A respeito da modalidade Extrajudicial da Usucapião, a par do que já experimentamos desde 2007 com o Inventário Extrajudicial, é preciso anotar que também vale muito a regularização alcançada de forma muito mais rápida (e, por isso, econômica) que na via judicial. Sabe-se que tanto o processo de Inventário quanto o de Usucapião geralmente são processos que demoram vários anos em tramitação na Justiça. Já em boa hora as louváveis medidas do Legislativo em permitir que esses dois tipos de providências sejam realizadas na via extrajudicial onde encontramos Tabeliães e Registradores com grande capacidade para resolver tais problemas envolvendo imóveis e direitos a eles relativos de forma muito mais rápido que na Justiça onde, ao lado de tais processos, há enorme volume de feitos discutindo as mais variadas questões.

É fato que a necessidade de desafogar o Judiciário é urgente e o Extrajudicial é sim a melhor saída para casos onde inexiste litigiosidade. Some a tudo isso a possibilidade do uso da mediação e conciliação nas Serventias Extrajudiciais e a gama de processos a serem resolvidos diretamente nos Cartórios aumenta ainda mais.

Em suma, ter o seu imóvel regularizado, titularizado e registrado no Cartório do Registro Imobiliário tem um imensurável valor na medida em que, além de agregar valor ao patrimônio do seu proprietário, confere toda a garantia, oponibilidade, segurança jurídica e certeza erga omnes que somente uma Instituição como os Cartórios, delegatários de função estatal (art. 236 da CRFB) podem conferir.

 

A DESPESA: sim, mas quanto custa tudo isso?

Custa pouco, muito pouco se comparado aos grandes benefícios da regularização imobiliária, inclusive os citados acima.

Via de regra no procedimento de Usucapião Extrajudicial teremos custos relacionados à:

  1. Lavratura da Ata Notarial para fins de reconhecimento de posse (no Tabelionato de Notas);
  2. Registro e tramitação da Usucapião Extrajudicial (no Cartório do RGI);
  3. Certidões (Fóruns, outros Cartórios e algumas repartições);
  4. Planta e Memorial (nos casos onde sejam de fato exigíveis tais documentos, cf. Provimento CNJ 65/2017);
  5. Honorários advocatícios (caso não seja proposto através da Defensoria Pública).

 

Existem outros custos?

Sim, outros custos podem se revelar no momento em que se inicia a regularização através da Usucapião: débitos que podem atrapalhar a regularização (como dívidas de IPTU e outros encargos, executivos fiscais), averbações, taxas na Prefeitura etc. A particularidade de cada caso de usucapião vai ditar a existência ou não de outras despesas.

As regras do art. 26 do Provimento CNJ 65/2017 possuem caráter supletivo, só incidindo no silencio das normas locais, como muito bem pontua FRANCISCO JOSÉ BARBOSA NOBRE (Manual da Usucapião Extrajudicial. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018). É que como se sabe, os valores relativos a emolumentos e custas extrajudiciais são editados por normas das Corregedorias da Justiça com base em Leis Estaduais, com atualizações anuais.

Em resumo as regras do Provimento apontam como base de cálculo o (muitas vezes defasado) valor venal do imóvel constante do último lançamento de IPTU ou ITR, se for o caso ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado.

Especificamente no caso do Rio de Janeiro existem as regras do Provimento CGJ 23/2016 que, compatibilizadas com as regras do Provimento CNJ 65/2017 sinalizam que a ata notarial para usucapião extrajudicial será sempre considerada ata notarial com conteúdo econômico e que haverá custo fixo (com base na tabela vigente) relativamente ao custo para o procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião, assim como por cada uma das notificações/intimações e ainda, pela confecção do edital, sendo certo que quanto ao registro deverá ser feito um enquadramento do caso proposto às faixas já determinadas pela Portaria de Custas, como ocorre com os outros títulos registrais com conteúdo econômico no RGI.

Que no ano de 2019, serve como base a Portaria 2.358/2018 que normatizou as tabelas dos diversos ofícios extrajudiciais que servem para a composição do valor final de cada serviço praticado nos Cartórios Extrajudiciais.

Em nosso site (http://juliomartins.net/pt-br/node/104) é possível vislumbrar tabelas com valores exemplificativos e aproximados (que por óbvio não são valores finais, que somente poderão ser cotados pelas Serventias Extrajudiciais diante do caso concreto e com base nas regras vigentes ao tempo da realização do serviço e suas correspondentes modificações) que servem para uma ideia aproximada dos custos.

 

É possível a realização da Usucapião Extrajudicial com gratuidade de Justiça?

Em que pese opinião contrária de diversos doutrinadores, somos da opinião de que sim, é possível a realização da Usucapião Extrajudicial com os benefícios da gratuidade de justiça – e pensamos assim também por ocorrer assim com outros procedimentos cartorários, realizáveis sem a incidência de emolumentos e custas, sob a gratuidade de justiça, como Escrituras de Compra e Venda de imóveis, Procurações Públicas, Testamentos, Escrituras Declaratórias, Registros imobiliários etc.

Não há na normatização da Usucapião Extrajudicial qualquer disposição negando a gratuidade – e não haveria mesmo de existir qualquer regra expressa negando a realização da usucapião extrajudicial com gratuidade de justiça já que não há qualquer razoabilidade nessa negativa.

Negar a realização da usucapião extrajudicial a quem precisa e efetivamente é hipossuficiente é negar a realização da justiça que se dá no âmbito extrajudicial, mediante delegação do Poder Estatal.

Veja-se que relativamente ao experimentado Inventário Extrajudicial já não persistem dúvidas sobre tal possibilidade, sendo pacificada hoje em dia a sua realização sem qualquer custas e emolumentos quando feito sob a gratuidade de justiça.

É claro e preciso registrar que a gratuidade deve obedecer a regramentos legais e aqui no Estado do Rio de Janeiro há norma específica editada pelo TJRJ e pela CGJ regrando todo o procedimento para a concessão da gratuidade (veja neste link http://juliomartins.net/pt-br/node/37).

É certo que pelo menos aqui no Estado do Rio de Janeiro sabe-se que toda gratuidade é remunerada por fundos, até mesmo porque se assim não fosse geraria desequilíbrio que comprometeria o funcionamento das serventias.

A bem da verdade há mesmo é menção da possibilidade de que participe do procedimento o DEFENSOR PÚBLICO (art. 2º e outros do Provimento CNJ 65/2017) o que faz crer, e nos parece evidente, a Defensoria Pública não patrocinaria alguém que tivesse meios para pagar todos os outros custos e somente não os teria para o Advogado – (veja-se que no Estado do Rio de Janeiro, pela DELIBERAÇÃO CS/DPGE Nº 124 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2017 (disponível em http://www.defensoria.rj.def.br/legislacao/detalhes/5485-DELIBERACAO-CS-DPGE-N%C2%BA-124-DE-20-DE-DEZEMBRO-DE-2017) em seu artigo 3º: “O serviço de assistência jurídica integral e gratuita também deverá ser prestado aos hipossuficientes, assim consideradas as pessoas que não tenham condições econômicas de contratar advogado e de pagar as custas judiciais, a taxa judiciária, os emolumentos ou outras despesas, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família).

Ademais, oportuno trazer a baila o entendimento do TJRJ acerca do patrocínio gratuito prestado por Advogados sob o prisma da aferição e concessão de gratuidade de justiça (que como visto, abarca também atos extrajudiciais):

Súmula 40, TJRJ:

GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFENSORIA PÚBLICA ADVOGADO PARTICULAR. REPRESENTAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NÃO RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS.

“Não é obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do beneficiário da gratuidade de justiça, facultada a escolha de advogado particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de afirmar declaração de que não cobra honorários”.

 

 

[1] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml. Consulta em 24/10/2019.